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Vivemos em uma cultura de interrupção. Adultos carregam em seus bolsos máquinas de interromper. A cada bipe, vibração ou luz piscando, a trilha de nossos pensamentos é interrompida, e nossas interações humanas também. Não é de estranhar, portanto, que não vejamos nada de mau em interromper uma criança, mesmo quando ela esteja concentrada em uma tarefa. Mas as crianças vivem muito melhor quando os adultos à sua volta compreendem a importância de não interromper.

Quando uma criança está focada no que faz, envolvida de verdade na tarefa à sua frente, aquilo é o melhor que ela pode fazer com o tempo de sua infância. Nada é mais poderoso para o desenvolvimento. Isso è indicado pelo fato de que as crianças que se concentram e não são interrompidas emergem da tarefa muito mais tranquilas.

Uma vez, eu estava na casa de dois amigos, conversando, e sua filha de 8 meses estava inquieta, tentando pegar as castanhas que comíamos. Por fim, os pais permitiram que ela pegasse as vasilhas e as castanhas. Uma a uma, ela passou todas as castanhas de uma vasilha para a outra. Por vinte e cinco minutos ela se manteve na tarefa, passando castanhas de uma vasilha para a outra.

Quando terminou, até eu, que conheço as explicações de Montessori, esperava que ela estivesse cansada. Ela não só estava bem disposta, como sorria, e não demonstrou nenhum sinal de desassossego até que chegasse sua hora de dormir.


A essência do dever do adulto é não interromper a criança em seus esforços.

Maria Montessori, em Mente Absorvente

Quando a criança está concentrada, o que ela está fazendo é importante. E ela está concentrada quando seus olhos olham para o que suas mãos fazem. Televisão não serve. Outra pessoa agindo não serve. Nenhuma tela serve. Para valer, a criança precisa estar em ação, atenta ao que está fazendo – aí tem foco, esforço e aprendizado.

O aprendizado sempre passa por fases que não devem ser interrompidas: A primeira, de exploração, seguida de um tipo de esforço repetido em uma direção, que pode estar errada, e aí vem a frustração. Depois disso o esforço muda de direção. Se estiver errado novamente, mais frustração. Mas em algum momento o esforço vai para o caminho certo, e o sucesso é alcançado. Qualquer processo de aprendizado passa por fases assim. Ou quase qualquer um.

O aprendizado só pode passar por todas essas fases se a criança puder ir até o final. Se ela precisa parar no meio, da próxima vez precisa retomar. E porque não está mais envolvida profundamente, não recorda todos os seus erros, mas recorda que da última vez, não conseguiu, e sua crença em si mesma é um pouco menor agora. Por outro lado, se ela tiver a chance de ir até o final, aprende duas coisas:

  • Primeiro, aquele desafio foi superado, e uma nova habilidade ou conhecimento foi adquirido.
  • Segundo, desafios podem ser superados, se houver esforço e foco, e a frustração é só uma parte do processo.

Claro, o segundo aprendizado é ainda mais importante que o primeiro.

A mente demora um pouco para desenvolver interesse, para entrar em movimento, para se aquecer num tema e atingir um estado de trabalho produtivo.

Se nesse meio tempo houver interrupção, não somente um período de trabalho útil é perdido, mas a interrupção também produz uma sensação idêntica ao cansaço.

Maria Montessori, O que Você Precisa Saber sobre Seu Filho

As crianças precisam de tempo. Alguém nos enganou e nos fez acreditar que tempo é luxo, que tempo é dinheiro. O sociólogo Antonio Candido é explícito: “Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido das nossas vidas”.

As crianças precisam de tempo ininterrupto como precisam de ar e de comida. Se nossas crianças param de respirar ou de comer, percebemos a urgência da situação. Precisamos encontrar caminhos para que elas tenham tempo suficiente também.

Tempo abundante. Para se envolverem sem medo da interrupção e do fracasso. Para conseguirem fazer sozinhas. E mais do que isso, para acreditarem que é possível aprender.

Fonte: Lar Montessori por Gabriel Salomão

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